terça-feira, 12 de abril de 2011

Poyerhali*

Uma noite em abril de 1961 ficou marcada pelos olhares terrestres que buscavam ver nos céus uma pequena luz silenciosa que se movia, não fazia "bips" como o Sputinik, apenas seguia, como uma estrela guia rumo ao futuro. O Sputinik foi o primeiro satélite artificial lançado ao espaço que emitia som, e a luz silenciosa era o Vostok-1, a nave que levou o primeiro ser humano ao espaço para uma órbita de 108 minutos.

Precisamente hoje, dia 12 de abril de 2011, estamos comemorando 50 anos dessa odisseia, que marcou um novo horizonte para a humanidade e da noite para o dia transformou um trabalhador do campo chamado Yuri Gagarin em um dos heróis do século e, antes de tudo colocou a União das Repúblicas Socialistas Sovitéticas à frente na corrida espacial.

Tambem hoje foi lançado através do Youtube um filme de 1h40m que reproduz em tempo real a viagem de Gagarin. Com imagens da época e outras produzidas a partir da Estação Espacial Internacional, o filme combina uma bela trilha musical do compositor Philip Sheppard com o áudio original das conversas entre Gagarin e a central de comunicação no Cosmódromo de Baikonur. Intitulado “First Orbit” (Primeira Órbita) tenta recriar o que Gagarin teria visto ao orbitar a Terra há 50 anos e que fez como que dissesse a famosa frase “A Terra é azul”. De imediato vê-se a fascinação do cosmonauta que foi o primeiro a ver o planeta terra daquele ponto de vista.



* Em russo, “Vamos lá”, que ficou famoso quando pronunciado por Yuri Gagarin no lançamento da nave Vostk-1, que o levou para a primeira órbita.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Ninguém notou, ninguém morou/Na dor que era o seu mal/A dor da gente não sai no jornal*

Só ao lado da mãe que o adotara é que sua existência no mundo fazia sentido, que se percebia como um sujeito inteiro, só o amor dela o tornava um indivíduo. Fora disso, desde criança fora repelido da convivência dos coleguinhas de escola e nenhuma garota, mesmo a mais feia do colégio, a rejeitada que fosse, dele se aproximara. Viveu uma vida de castidade. Da mãe biológica, que não conhecera, recebeu detestável herança esquizofrênica. Ele era deplorável, Todos o achavam detestável, dele se afastavam. Não era ninguém. Agora a mãe adotiva estava morta. Quem ele era? De quem era a culpa? Quem deveria pagar pelos pecados do mundo cruel? Era preciso ressuscitar, ser alguém para viver, mas a resposta estava na morte, na extinção do que simbolizava o repudio a ele imposto tão dolorosamente. Agora, após o massacre, todos falariam dele, sairia da obscuridade, do ostracismo e passaria a ser alguém, um indivíduo, ganharia luzes. Não importava que tivesse provocado dor e tragédia. Agora, era um sujeito, ao seu jeito, inteiro. Mas não teve tempo para saber, que só então sucumbiria ao derradeiro desprezo; ninguém procurou liberar seu corpo impuro e foi enterrado como indigente. Sem rituais, sem perdão, na vala comum do horror dos nossos tempos.

*Refrão do samba Notícia de Jornal de Haroldo Barbosa e Luiz Reis

sábado, 26 de março de 2011

O que não vem a ser política cultural?


Busque um elemento que tenha importante representação cultural, por exemplo, uma panela de barro, ícone incontestável da cultura capixaba da gema. Faça as paneleiras acreditarem que você vai ajuda-las construindo um galpão para elas desenvolverem seu trabalho. Desloque-as para um galpão quente, mal localizado e sem nenhuma sinalização para os turistas e clientes locais chegarem. Ao mesmo tempo abandone a área onde está a única reserva do barro, matéria prima para a produção das panelas. Perca, desconheça o cadastro de quem estava autorizado a explorar a jazida, derrube a guarita da entrada e retire toda a fiscalização. Deixe ao Deus dará. Se alguém roubar o barro, afirme categoricamente que vai providenciar a segurança do local.
Isto não é política cultural e, acautelem-se, está acontecendo de verdade.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Radiação em Guarapari é maior que em Fukushima

O físico nuclear, Marcos Tadeu Orlando, chefe do Departamento de Física, da Universidade Federal do Espirito Santo fez hoje (25/03/2011) o primeiro alerta de malignidade das areias monazíticas de Guarapari. Em entrevista à Fernanda Queiroz, na rádio CBN-Vitória ele disse, sem papas na língua, que a areia preta emite uma radiação superior àquela que vem sendo medida no entorno da usina de Fukushima.
Segundo disse, a radioatividade acima dos níveis de normalidade afetam principalmente crianças que fiquem em contato direto com a areia da Praia da Areia Preta por mais de duas horas. Os raios gama emitidos pela radiação podem promover importantes alterações no DNA das crianças e nenhum efeito maléfico em idosos, pelo contrário, trazendo benefícios já conhecidos para problemas de artrites, artroses como já conhecido.
O físico afirmou categoricamente que não leva seus filhos àquela praia de jeito nenhum e não aconselha que os pais não deixem as crianças por muito tempo expostas à radiação das famosas areias monazíticas que contêm tório e urânio. Ele alertou que a seis metros, andando no calçadão da praia não há perigo. Apenas o contato direto com a areia é capaz trazer problemas em organismos em formação. Mas desaconselhou levar a areia para casa.
Ao ouvir a entrevista, lembrei que há alguns anos entrevistei um dos médicos que desenvolvem um programa de combate ao câncer de pele e ele me fazia o mesmo alerta. Mas não queria assumir publicamente, pois sofreria grande pressão dos interesses que fazem de Guarapari uma cidade turística, cognominada de “cidade saúde”. Mas ele lembrou que é muito difícil ver cachorros de rua no Centro de Guarapari porque a radiação é fatal para eles.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Caixa Econômica maltrata cliente idoso

Todos os manuais de marketing ensinam como uma empresa deve tratar seus clientes. Lembrar que o cliente é quem mantém a empresa viva no mercado não é mais nenhuma novidade, mas no Brasil ainda estamos na idade da pedra do marketing. Até um banco do tamanho da Caixa Econômica Federal parece que não estudou a cartilha do marketing. Querem um exemplo?

A agência da Caixa localizada na principal avenida do centro de Vitória está mudando para um bairro ao norte da capital. Como a agência comunicou aos seus correntistas? Apenas colou na porta de vidro da entrada da agência um pequeno comunicado (metade de uma folha A4) ao lado vários outros, nem sempre lidos, por conterem muita propaganda dos serviços do banco.

Comunicou errado. Deveria, ao menos ter enviado correspondência para cada correntista da agência informando a mudança de endereço e as alternativas para quem não quisesse continuar a operar com a agência no novo endereço, a cerca de 11 quilômetros de distância.

No lugar da criar facilidades para o cliente, preferiu empurrar com a barriga e levar todas as contas para o novo endereço, mesmo se o cliente fosse idoso, tivesse mais de 80 anos e precisasse pegar ônibus para se locomover até o novo endereço. Uma crueldade.

Sou testemunha desse desrespeito. Questionei à gerente sobre as alternativas. Abrir uma conta em outra agência no mesmo centro de Vitória, respondeu. Terei que ir à agencia e abrir uma conta como um cliente novo? Sim, disse ela, sem se importar com o tempo que o cliente mantém sua conta no banco. Vocês poderiam criar facilidades para os antigos clientes, como usar o banco de dados da Caixa e simplesmente transferir a conta para outra agência, disse, ao que ela justificou que o banco de dados não é integrado entre as agências.

O idoso, de 84 anos teve que se deslocar até a outra agência como se fosse abrir uma conta no banco pela primeira vez e ainda teve que esperar por uma hora e meia para conseguir fazer o novo cadastro, da nova conta, na nova agência do antigo cliente que será tratado como recém-cadastrado. Desculpem, disse a atendente, é que o sistema está lento.

Outra visita ao Queimado

Não sei categorizar exatamente se é documentário, se é videoarte ou algo parecido, mas é mais uma manifestação, uma oportunidade que tenho para expressar meu fascínio pela saga dos escravos de São José do Queimado.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Uma visão do Queimado

No domingo, dia, 21 de março, um grupo selecionado de cerca de 200 pessoas se encontrou no adro das ruínas da igreja de São José, no distrito serrano do Queimado, para exaltar os mártires do que se chamou de "Insurreição do Queimado", a maior revolta de escravos ocorrida no Espírito Santo. A revolta, ocorrida no dia dedicado a São José, em 19 de março de 1849, ainda hoje gera muitas dúvidas sobre sua motivação, embora o objetivo maior tenha sido a busca por cartas de alforria supostamente prometidas pelo frade capuchinho, Gregório Maria de Bene, um italiano que se dizia amigo da Imperatriz, Maria Cristina, também italiana, o que, segundo ele, lhe daria o poder de negociar a liberdade dos escravos que ajudassem a construir igreja na então freguezia. A história vem sendo contada por tradição oral tendo a maioria dos estudos acadêmicos se baseado numa monografia escrita por um jovem advogado de 25 anos, Afonso Cláudio de Freitas Rosa, nascido dez anos após o levante, filho de uma família escravocrata proprietária de uma grande fazenda no distrito de Mangaraí, distante poucos quilômetros do Queimado e onde se refugiaram muitos dos insurgentes após o fracasso da empreitada. Afonso Cláudio que viria a ser o primeiro governador do Espírito Santo no período republicano era um devotado abolicionista, inspirado pelos ventos que já então sopravam na época de seus estudos no Recife.

Sua tese se baseia desde então na tradição oral, embora tivesse tido a oportunidade entrevistar um dos insurgentes, Carlos, que escapou da sanha dos capitães do mato e das guerrilhas criadas para trucidar os insurrectos. Quando publicou sua monografia, em novembro de 1884, até mesmo todo o processo da devassa, que culminou com o julgamento de cinco líderes à forca, havia desparecido. Assim, Afonso Cláudio se conteve em manter a versão apresentado pelo advogado de defesa dos acusados, João Clímaco de Alvarenga Rangel, curiosamente a família que era proprietária de três importantes líderes do movimento, os irmãos Carlos, João Pequeno e Elisiário.

Parece paradoxal que um senhor de escravos decida incorporar o papel de advogado de defesa dos negros rebelados, enquanto toda a sociedade da província na época queria se vingar com sangue tamanha ousadia. João Clímaco era também um padre com visão humanista e ligado ao padroado, que não servia aos dogmas de Roma, mas aos interesses do império. Além disso, era uma dos mais brilhantes intelectuais da sua época, poeta, ajudou da organização da criação da Assembleia Provincial e foi o primeiro presidente da casa legislativa. Era um grande orador, embora limitado pelo lábio leporino e tinha posições próprias, tanto que foi determinante para seu futuro político seu posicionamento contra a regência, que estabeleceu a figura do príncipe regente (D. Pedro II), logo após a partida do seu pai de volta a Portugal.

Foi vencido e traído por seus pares, tendo sido vítima de golpes cruéis e perdido uma eleição por fraude na apuração. Desencantou-se com a vida pública, passou a dar aulas de latim no Liceu e deixou de viver em sua casa no centro de Vitória e passou a se interessar mais pelas atividades de sua fazenda, no Queimado, a qual havia recebido de herança e dividido entre oito irmãos. Na sua fazenda, de nome Peráu, plantava cana, fabricava açúcar, tinha um plantio de café, poucos escravos e algum gado a quem dava nome a cada cabeça. Teve duas filhas e é uma grande incógnita se eram filhas ou não de alguma escrava.

A tese apresentada por Clímaco no tribunal que tentava a absolvição de todos os 36 negros presos era de que a responsabilidade pelo movimento era exclusivamente do Frei Gregório que havia prometido a liberdade se os escravos o ajudassem a construir a igreja de São José, acusação que o frade se eximia. O Frade teve como pena sua expulsão da Província para em seguida ser enviado para serviços de catequese entre os índios do Amazonas, trabalho que era a razão de ele ter buscado ser missionário no Brasil. Lá, faleceu já idoso poucos anos depois, mas ficou registrado por alguns visitantes estrangeiros que ele era um importante mercador de crianças indígenas para comerciantes da região do Alto Rio Negro. Ou seja, vendia escravos infantis.

Clímaco foi derrotado pelo ódio e pelo medo dos brancos escravocratas e tomou uma decisão que mais o exilou da civilização: financiou a fuga dos seus escravos que se embrenharam pelas matas de Mangaraí e escaparam das buscas dos capitães do mato. Viveram e morreram de doenças tropicais, mas sempre auxiliados por Clímaco.

O relato das atrocidades cometidas contra os negros, a maioria crioulos, ou seja, eram nascidos no Brasil, além das torturas, maus tratos, açoites e execuções sumárias, mostra também casos de suicídio para abreviar a pena de viver nas condições de encarceramento na época, pior ainda que os dias de hoje. Consta que um deles, internado na Santa Casa de Misericórdia, após contrair tuberculose fruto das 500 chibatadas a que foi apenado, raspou com os dentes a cal a cobria as paredes do hospital no intuito de tirar sua própria vida. Pois vida já não mais havia pela frente.

A história da Insurreição do Queimado é rica em elementos dramáticos e vazios não devidamente esclarecidos que permitem releituras a favor de quem as conta. Na exaltação ocorrida este ano não foi diferente. Nos discursos que se alongaram por toda a manhã ensolarada do domingo muitos equívocos históricos foram difundidos como verdade, mas não empanaram a necessária rememoração dos eventos funestos de 1849 e 1850, quando dois dos cinco condenados à forca foram levados ao patíbulo, João da Viúva Monteiro e Chico Prego.

O evento de 2010, que comemorou 161 anos da insurreição, foi uma manifestação religiosa, com ritos católicos, umbandistas e do candomblé, além de apresentações de banda de congo, capoeira e maculelê. As fotos que acompanham o texto são a reprodução deste dia.